Orientação do Dia
21 nov
Nem tudo na vida pode acontecer como gostaríamos. Há altura em que vencemos e outras em que perdemos. No entanto, mesmo se sofrermos uma perda momentânea, não nos devemos deixar derrubar por nós próprios. Aqueles que perdem a batalha interior são os mais desgraçados. Aconteça o que acontecer, digam o que disserem, por mais difíceis que sejam as circunstâncias actuais, desde que vençamos a batalha interior, seremos vencedores na vida.

Ichinen Sanzen

No budismo de Nichiren, ao invocarmos Nam-myoho-rengue-kyo com fé no nosso estado de Buda inerente, manifestamos na nossa vida os princípios de ichinen sanzen. Para além de nos permitir ver as coisas numa perspectiva diferente, os Ensinos de Nichiren enfatizam a nossa capacidade de transformarmos positivamente o mundo para o nosso próprio benefício e também de outros.

A vida de cada pessoa contém um potencial infinito; esta é a convicção fundamental do budismo de Nichiren. Se bem que possa parecer fácil aceitar teoricamente este facto, na realidade a nossa tendência é impormos limites às nossas possibilidades. Numa perspectiva mais abrangente, definimos a nossa vida baseados no que percepcionamos ou baseados nas nossas limitações inconscientes – “consigo fazer isto mas não aquilo.” Podemos até viver de maneira bastante confortável dentro dos nossos próprios limites auto-impostos, mas quando somos confrontados com um problema ou desafio e descobrimos que nos falta a capacidade ou os recursos espirituais para ultrapassá-lo, acabamos em sofrimento. Sentimo-nos esgotados, desesperados e com medo.

A prática budista permite-nos manifestar coragem ilimitada, esperança e resiliência para ultrapassarmos todos os desafios, ao mesmo tempo que expandimos a nossa vida e ajudamos os outros a fazerem o mesmo. A Budicidade representa este estado de vida dinâmico e um Buda é alguém que estabelece firmemente esta condição como a sua realidade fundamental. Contudo, a maioria das pessoas desconhece esta possibilidade ou a forma de a poder manifestar.

Tien-tai (538-97), conceituado erudito budista do século VI, desenvolveu uma meditação que permitia às pessoas perceberem a dimensão ilimitada da própria vida a cada instante. Ele desenvolveu também um sistema teórico para descrever esta realidade a que deu o nome de “Três mil domínios, ou mundos, num único momento da vida” (em japonês ichinen sanzen). Ichinen sanzen explica que todo o universo existe num único momento da vida. O número três mil foi alcançado através do seguinte cálculo: 10 mundos ou condições potenciais de vida, em que cada uma contém todas as outras (10x10) x 10 factores x 3 domínios de existência.

Os dez mundos

Os dez mundos são – em ordem ascendente de preferência, ou daquilo que é mais desejável: Inferno, Fome, Animalidade, Ira, Tranquilidade, Êxtase, Aprendizagem, Realização (ou Compreensão), Bodhisattva e Budicidade. Estes mundos, ou estados de vida, são distintos entre si mas, ao mesmo tempo, são estados dinâmicos. Eles descrevem todas as condições de vida possíveis e, em cada instante, encontramo-nos num ou noutro destes “mundos”. Inferno é o estado em que o indivíduo está absorvido no seu próprio sofrimento. Fome é o estado dos desejos insaciáveis. No estado da Animalidade o homem teme os mais fortes e procura dominar os mais fracos, dependendo da percepção que tem dos outros. O estado de Ira é o estado em que as pessoas são competitivas e são movidas pela inveja sob o pretexto de justiça. O estado de Tranquilidade é o mundo da calma racional. Êxtase é o mundo dos desejos realizados. Aprendizagem é o estado em que manifestamos alegria ao expandirmos o nosso conhecimento. Realização (ou compreensão) é o estado em que as pessoas estão absorvidas pela busca criativa. Estado de Bodhisattva é o espírito dedicado de ajudar os outros, e a Budicidade é o potencial mais criativo e completamente positivo. Todos estes estados contêm em si o potencial de todos os outros nove estados, o que significa que podemos manifestar a nossa Budicidade ao mesmo tempo que vivemos seres humanos comuns

Enquanto os nove mundos descrevem as diferenças entre as pessoas e fenómenos, os dez factores descrevem elementos que são comuns em todas as coisas. Os três primeiros factores são (1) aparência (o que pode ser visto), (2) natureza (condição interior, a qual não é visível) e (3) entidade (a essência da vida que permeia e integra a aparência e a natureza). Os próximos seis factores explicam como as nossas vidas interagem com outras e com o meio ambiente à nossa volta. (4) Poder, que é a energia potencial e (5) Influência, que é quando a energia inerente é activada. (6) Causa interna, (7) Relação, (8) Efeito latente e (9) Efeito manifesto, que descreve os mecanismos de causa e efeito, lei da causalidade às quais todas as coisas estão sujeitas: causas internas latentes na vida de cada um de nós (positivas, negativas e neutras), através da relação com várias condições, e que produzem os efeitos manifestos, assim como os efeitos latentes que se tornam manifestos no momento.

Causalidade

Numa analogia simples, a causa interna pode ser comparada aos sedimentos acumulados no fundo de um copo com água e a relação de uma colher que agita essa água. O efeito é a água tornar-se turva. Sem a causa interna dos sedimentos, nenhuma turbulência na água causaria a água turva. Basta apenas uma observação de outra pessoa, ou qualquer incidente, para fazer com que uma pessoa mergulhe num estado de cólera ou num sentimento de profundo sofrimento, enquanto que para outra pessoa o mesmo estímulo externo pode não provocar nenhuma reacção interna. O décimo factor, Consistência do Princípio ao Fim, significa que os dez factores são coerentes em cada um dos Dez Mundos. Isto é, o mundo do Inferno tem a aparência, natureza, essência, efeito manifesto, etc, do mundo de Inferno – sendo que cada mundo, ou estado de vida, tem os seus factores correspondentes.

Os três domínios são (1) o domínio das cinco componentes, (2) o domínio dos seres humanos e (3) o domínio do ambiente. Do ponto de vista do ser humano, estes domínios podem ser pensados simplesmente como, a pessoa, a sociedade e o ambiente.

(As Cinco Componentes são: Forma, Percepção, Concepção, Volição e Consciência – estes são os elementos constitutivos que unem uma forma viva individual no seu todo. A forma corresponde ao aspecto físico e as restantes são aspectos espirituais da vida. O budismo acredita que o espiritual e o físico são inseparáveis.)

T'ien-t'ai retirou ichinen sanzen a partir dos princípios explicados no Sutra de Lótus, que são as escrituras budistas que servem de base ao budismo de Nichiren praticado pelos membros da SGI. Nichiren (1222-82) descreveu ichinen sanzen como o coração e a essência dos ensinos expostos pelo Buda ao longo da sua vida. Este é o princípio essencial do budismo de Nichiren.

Este ensino é, efectivamente, uma espécie de mapa da nossa relação com o mundo. Mostra-nos que a vida não é fixa mas fluída e que a percepção que temos das coisas pode mudar de um momento para o outro. Para alguém no estado depressivo de Inferno, o mundo aparenta ser limitado, escuro e sem esperança. Os problemas tornam-se assustadores e tortuosos. O passado, presente e futuro parecem sombrios. Contudo, uma pequena mudança na nossa percepção, uma centelha de esperança, uma palavra ou resposta encorajadora pode alterar tudo instantaneamente.

Quando a nossa perspectiva muda, o mundo em si parece diferente. Quando acreditamos no potencial da mudança em cada momento, quando começamos a ter fé na nossa Budicidade, o significado que descobrimos no nosso ambiente altera-se.

Embora isto possa parecer bastante simples, mudarmos a nossa perspectiva fundamental pode ser muito difícil. T ́ien-t ́ai desenvolveu uma meditação profunda mas, notoriamente difícil, em torno da teoria de ichinen sanzen com o objectivo de permitir às pessoas percepcionarem a sua Budicidade. Seiscentos anos mais tarde, tendo como base a teoria de Tien-tai e os princípios do Sutra de Lótus, Nichiren desenvolveu uma prática simples e eficaz que pode ser realizada por qualquer pessoa em quaisquer circunstâncias.

A prática de Nichiren de invocar “Nam-myoho-rengue-kyo” com fé na nossa natureza de Buda inerente, faz despertar os princípios de ichinen sanzen na vida do praticante budista. Para além de permitir às pessoas verem as coisas duma perspectiva diferente, os ensinos de Nichiren enfatizam a nossa capacidade de transformarmos positivamente o mundo para nosso próprio benefício e dos outros.

Nichiren explica a realidade de ichinen sanzen da seguinte forma: “A vida em qualquer momento engloba o corpo e a mente do eu e do meio ambiente, de todos os seres sensíveis dos Dez Mundos, como também de todos os seres insensíveis dos três mil mundos, incluindo as plantas, o céu, a terra, inclusive as ínfimas partículas de pó. A vida em cada instante permeia o mundo dos fenómenos assim como é revelada também em todos os fenómenos.”

Por causa da profunda inter-relação da nossa vida com todos os fenómenos em cada instante, a mudança no interior da nossa vida exerce uma influência em todas as coisas e provoca uma mudança no nosso ambiente e circunstâncias, e por fim a transformação do próprio mundo. Como escreve o Presidente da Soka Gakkai, Daisaku Ikeda, “O poder de acreditar, o poder do pensamento, irá mover a realidade na direcção do que acreditamos e do que conseguimos imaginar.” A nossa forte determinação ou oração permeia todo o universo dos fenómenos e a sua influência manifesta-se mais fortemente à medida que tomamos acção.

A prática desenvolvida por Nichiren e realizada pela Soka Gakkai encoraja as pessoas a empreenderem esforços incessantes para manifestarem o potencial ilimitado da sua própria vida e a confrontar e ultrapassar os obstáculos à felicidade, ambos existentes dentro de nós próprios e na sociedade. Deste modo, começamos precisamente onde nos encontramos nesse exacto momento, para fazermos do mundo um lugar melhor.